terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Argumentos perigosos contra a liberdade de escolha da escola

Rodrigo Queiroz e Melo

24 de Janeiro de 2022



No dia 13 deste mês, o diretor do PÚBLICO opôs-se à ideia de criar um cheque-ensino, afirmando que “infelizmente, como tantas vezes acontece, as ideias esperançosas, altruístas ou inclusivas nem sempre resistem ao choque com a vida real”. Para tanto recorreu a dois argumentos: perigoso, um, e errado, o outro.

Ao afirmar que “acreditar que todos os pais estão numa posição simétrica para deliberar sobre a educação dos seus filhos. Não estão. Uma família que vive na pobreza, que dispõe de baixa escolaridade ou que é vítima de qualquer tipo de exclusão social não tem, salvo raras excepções, a mesma preocupação nem a mesma capacidade de avaliação que uma família estável, com níveis socioeconómicos superiores”, o autor sustenta que só podem exercer os seus direitos os portugueses capazes. Os outros, não. Este é o argumento perigoso. É neste tipo de pensamento que se alicerça o voto capacitário, origem de inaceitáveis exclusões e discriminações de sexo, raça, credo ou condição socioeconómica. A sujeição do “povo” à “elite iluminada” é o que fundamenta os regimes totalitários. Afirmar que a escolha da escola é má ideia porque os pobres não estão tão preparados para escolher como os ricos é mesmo muito estranho.

O segundo argumento contra o cheque-educação é que “uma família que vive numa aldeia do interior não tem a mesma liberdade de escolha que uma congénere do Porto ou Lisboa”. Ou seja, porque nem todos podem escolher, não escolhe ninguém. É como dizer que as mercearias deviam ser todas públicas porque há aldeias onde só há uma mercearia. É o argumento errado.

O autor reconhece que a ideia é “arrebatadora”. Mas não consegue ultrapassar o status quo e teme “o perigo crescente da desigualdade, que corrói as democracias e ameaça o consenso social”. Porém, a realidade não corrobora a tese: por um lado, o nosso sistema de ensino já é o mais selectivo da Europa: 19% dos alunos pagam pelo ensino privado. Exceto Malta, Luxemburgo e Chipre (países pequenos e especiais), nenhum outro país tem mais de 5% de alunos no privado a pagar. Por outro lado, um sistema com escolas privadas financiadas pelo Estado entre as quais as famílias podem escolher é um facto na Holanda (frequentadas por 97% dos alunos), na Irlanda (98%), na Bélgica (56%), no Reino Unido (41%), em Espanha (25%) ou na Dinamarca (15%). Nos EUA, o financiamento da liberdade de escolha da escola através de charter schools (lembram-se dos contratos de associação?) é defendida por pessoas insuspeitas como o ex-Presidente Barack Obama (houve mesmo um boom de charter schools durante os seus dois mandatos).

O problema de Portugal não são as famílias com baixo capital social; é sermos um país onde, para lá da retórica, tudo parece feito para as manter à parte. É mais, e não menos, liberdade, incluindo entre escolas públicas, que permitirá darmos um salto qualitativo relevante com evidente benefício coletivo.



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